segunda-feira, 28 de junho de 2010

Coisas de gatos


Viver com um gato é partilhar espaço sem estardalhaço. Há quem diga que o gato nem precisa da nossa companhia. Se calhar 24 horas por dia não. Como eu não preciso da companhia do gato 24 horas por dia. Basta-me saber que ele está lá. E que fica tão feliz como eu no reencontro, sem precisar de fazer alarido para o demonstrar. Basta o seu sorriso de gato. Eu bem sei que ele mia para mim porque eu emito sons, logo ele corresponde vocalizando também. Mais para meu prazer do que para comunicação. Não insisto, eu tambem não preciso de muita conversa.
Mas neste partilhar do espaço há a manifesta necessidade do contacto físico, necessidade mútua que se expressa quando ele muda de rota a caminho do sofá, ou da caixa, ou da comida, para no caminho se roçar nas minhas pernas, ou quando eu, estendida a ler no sofá, ergo a mão para o afagar de passagem. Aí ele semicerra os olhos, faz de novo o sorriso de gato e ronrona de puro prazer. Morro de saudades, gato, de vontade de partilhar a vida contigo.

sábado, 19 de junho de 2010

Celebrando a Jangada de Pedra, no dia em que Saramago se despediu da escrita


Quando Joana Carda riscou o chão com a vara de negrilho, todos os cães de Cerbère começaram a ladrar, lançando em pânico e terror os habitantes, pois desde os tempos mais antigos se acreditava que, ladrando ali animais caninos que sempre tinham sido mudos, estaria o mundo universal próximo de extinguir-se. Como se teria formado a arreigada superstição, ou convicção firme, que é, em muitos casos, a expressão alternativa paralela, ninguém hoje o recorda, embora, por obra e fortuna daquele conhecido jogo de ouvir o conto e repeti-lo com vírgula nova, usassem
distrair as avós francesas a seus netinhos com a fábula de que, naquele mesmo lugar, comuna de Cerbère, departamento dos Pirenétis Orientais, ladrara, nas gregas e mitológicas eras, um cão de três cabeças que ao dito nome de Cerbère respondia, se o chamava o barqueiro Caronte, seu tratador. Outra coisa que igualmente não se sabe é por que mutações orgânicas teria passado o famoso e altissonante canídeo até chegar à mudez histórica e comprovada dos seus descendentes de uma cabeça só, degenerados.

domingo, 13 de junho de 2010

Fernando Pessoa e os santos populares


Quando vieste da festa,
Vinhas cansada e contente.
A minha pergunta é esta:
Foi da festa ou foi da gente?


"A quadra é um vaso de flores que o Povo põe à janela da sua alma. Da órbita triste do vaso escuro a graça exilada das flores atreve o seu olhar de alegria. Quem faz quadras portuguesas comunga a alma do povo, humildemente de todos nós e errante dentro de si próprio. Ser intensamente patriótico é, primeiro, valorizar em nós o indivíduo que somos, e fazer o possível por que se valorizem os nossos compatriotas, para que assim a Nação que é a suma viva dos indivíduos que a compõem, e não o amontoado de pedras e areia que compõem o seu território, ou a coleção de palavras separadas ou ligadas de que forma o seu léxico ou a sua gramática — possa orgulhar-se de nós que, porque ela nos criou, somos seus filhos, e seus pais, porque a vamos criando".

Fernando Pessoa

O prazer das pequenas coisas

Sardinhada no Jardim. Um grupo de amigos, conhecidos e até desconhecidos. Vim a casa buscar as sobremesas e as crianças vieram comigo.
Na volta, eles vigiando atentos e cuidadosos os meus passos, ou não transportasse eu o precioso bolo de chocolate, chegam-me no escuro da noite as gargalhadas dos meus amigos agrupados em torno do churrasqueiro no fundo do jardim. É estranho como raras vezes tomamos consciência destas pequenas coisas que são o tempero da vida.

Riscos

Uma das vantagens de escrever num blog que só 2 pessoas no mundo sabem que existe é que se pode escrever o que nos apetecer sem ter medo de ser inconveniente. Há tambem aquela sensação do diário que se deixa aberto por aí, correndo o risco que alguem lhe pegue e o leia.